1.
Introdução
A
freguesia de Mateus considerando, em sentido lato, o território que manteve
desde os tempos medievos até à década de 60 do século XX [1], é delimitada por vários cursos de água dos quais se destacam o
rio Corgo (afluente do Douro, que nasce em Vila Pouca de Aguiar e com um
percurso de cerca de 50 Km),
a poente, o rio Pequeno e o de Tourinhas, a norte e a sul, respectivamente. Nos
pequenos vales do interior da freguesia corre o ribeiro da Levandeira, o
ribeiro que denominamos das Quartas, o ribeiro do Boque e outros pequeníssimos
cursos de água, todos tributários do rio Corgo. Curiosamente os maiores cursos
de água nascem, a pouca distância uns dos outros, nas faldas da Serra do
Rebordo Longo.
Estes
pequenos rios e ribeiros (em cujos vales brotam ainda boas fontes cuja água era
afectada ao consumo humano) irrigavam as férteis terras da freguesia tão
conhecida, desde os tempos modernos até à entrada do presente século, pela
fartura de hortaliças e frutos que abasteciam os mercados de Vila Real e
concelhos circunvizinhos.
Refira-se
que anteriormente à época da motorização, da electrificação, da rega automática
e do abastecimento domiciliário de água a partir de recursos hídricos
exteriores à freguesia, cujo pleno ocorreu já nas últimas décadas do séc. XX, a
água destinada ao consumo público de pessoas e animais domésticos era
proveniente de minas, fontes de bica e de
mergulho e a água de rega corria pela lei da gravidade, dos altos para os
baixos [2], por regos e levadas, com
excepção da água dos poços que era tirada por tracção animal através de noras
ou pela força humana através de gravanos [3]
ou antigas noras de origem árabe.
Fonte da Rabela - lugar de Navalhos
2.
A água destinada
ao consumo humano – da romanização à actualidade
A
ocupação humana, de modo estável, num determinado local carece, desde sempre,
dos necessários recursos hídricos. A água é fonte de vida – é comum dizer-se.
Os primeiros habitantes da nossa freguesia
ter-se-ão fixado na zona de Navalhos e Outeiro de Lobos, locais onde tem
aparecido vestígios materiais do período da romanização; são lugares
privilegiados sob o ponto de vista defensivo e próximos de bons aquíferos como
é o caso da Fonte da Rabela que algumas lendas locais atribuem aos romanos.
Na
documentação medieval da nossa freguesia encontrámos referência à Ribeira da
Espondera, à Ribeira da Levandeira, ao rego da água da Cal, e às fontes do
Arrabalde, das Bouças, do Frengo e da Pipa. Na maior parte dos casos são
micro-topónimos hoje praticamente desconhecidos e cuja designação evoluiu ao
longo dos séculos. A fonte setecentista de Santo Isidro, onde a água quase
brota à superfície, seria, muito provavelmente, a fonte do Frengo. Mas este
como outros termos usados na Idade Média para designar “casais” da nossa
freguesia são hoje desconhecidos, aparecendo, quando muito, em algumas
inscrições matriciais.
Do
final da Idade Moderna conhecem-se as referidas fontes de Santo Isidro, em
Abambres e a da Rabela em Navalhos. Era aí e nas minas particulares, no caso de
“casais” isolados, que o povo se abastecia.
Fonte setecentista de Santo Isidro - lugar de Abambres
Quanto
às grandes casas senhoriais da freguesia – a “Casa Grande”, ou “Casa de
Mateus”, a “Casa de Urros”, ou a “Casa das Quartas” e em menor grau a “Casa do
Paço”, desde cedo construíram as suas próprias fontes e sistemas de rega
orientados quer para os jardins mais ou menos majestosos que todas dispunham,
quer no aproveitamento das sobras para a rega dos campos. O seu abastecimento
apoiava-se, em boa parte, nos ribeiros locais e seus vales. Existem ainda belos
exemplares de tanques decorativos e fontes pertencentes aos solares da
freguesia.
Fontes e tanques artísticos - Casa de Mateus e Casa das Quartas
Os
principais fontanários, de bica corrente e, mais tarde, de torneira foram
construídos na década de 40 do séc. XX, na administração municipal de Costa
Lobo, a partir de nascentes locais. Possuíam tanques para lavagem de roupas, a
partir das águas sobrantes e situavam-se no Largo da Baralha, em Abambres, no
lugar do Além, em Abambres, no Largo do Conde de Mateus, em Mateus e no lugar
da Raia. No final da década de 70 passou a vulgarizar-se a distribuição
domiciliária de água [4], o que
resultou numa melhoria do conforto e da qualidade de vida das populações e na
diminuição das doenças infecciosas. Em contrapartida, até à criação da rede de
saneamento básico, já no início do século XXI, a maioria dos poços corria risco
de contágio devido à instalação indiscriminada de fossas e poços sumidouros.
Fonte de Mateus (anos 40)
Os
tempos mudaram e as velhas fontes e lavadouros ficaram obsoletos. A velha
imagem de marca do Largo da Baralha em Abambres, com a fonte, os lavadouros ao
centro e o rego da água a meio, que muitos de nós conheceram, pertence ao
passado, embora substituída por uma renovação de mau gosto. Já ninguém lava nem
vai à fonte de Santo Isidro. A fonte da Ramalha está rodeada de silvas, tal
como a fonte da Rabela.
Perdeu-se
um espaço de sociabilidade importante associado à ida ao fontanário e ao
lavadouro já que era ali que eram conhecidas as notícias da terra, que se
começavam alguns namoros, que se convivia, que se discutia e que (para alguns)
se aproveitava para “lavar” a chamada “roupa suja” já que o lavadouro era
também o espaço para alguma intriga.
A
imagem idílica da ida à fonte, veiculada por alguma da nossa literatura
clássica, já só faz parte do álbum de recordações de algumas das gerações.
Fonte do Além (anos 40)
Notas:
[1] Pelo Dec. Lei nº 43 347 de
23.11.1960 que criou a freguesia urbana de Nossa Senhora da Conceição, a
freguesia de Mateus, cujo limite poente era o rio Corgo, foi esbulhada de cerca
da terça parte do seu território, o qual reverteu a favor da nova freguesia e
da freguesia de S. Pedro.
[2] Não existem grandes depressões no
relevo da freguesia de Mateus cujas altitudes variam entre os 400 e os 600 metros. Eis algumas
altitudes: Mata do Conde (600
metros), Carvalhada (518 metros); Navalhos (527 metros); Lugar de
Além, Abambres (501
metros); Mateus, zona do solar (494 metros); Casal de
Matos (474 metros);
S. Martinho (504 metros);
Fundo de Vila (467 metros);
Foz do ribeiro da Levandeira (400 metros).
[3] Espécie de regador em
folha-de-flandres com um cabo comprido e que servia para tirar a água, por
força braçal, dum ponto mais baixo para um rego situado num ponto mais alto.
[4] Hoje a freguesia
de Mateus, assim como parte das freguesias de S. Pedro, Nossa Senhora da
Conceição e Arroios, é abastecida de água a partir da Central do Pisco situada
na povoação da Raia, sendo a água proveniente do chamado sistema do Alvão,
podendo, em caso de necessidade, ser servida pelo sistema do Sordo. Prevê-se
que, em breve, possa ser abastecida com água proveniente da barragem do Pinhão.
Cf. SILVA; Rui Agostinho; Gestão e Monitorização do Sistema Público de
Distribuição de Água de Vila Real – Zona do Pisco (Dissertação de mestrado em
Engenharia Civil na UTAD), Vila Real, Universidade de Trás os Montes e Alto
Douro, 2009, p. 40-42.
O
presente estudo é parte integrante do projecto de estudo monográfico “S.
Martinho de Mateus – história, memória e património”, da autoria de António
Adérito Alves Conde.
Por
opção do autor, o texto não foi escrito de acordo com o Novo Acordo Ortográfico.