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terça-feira, 15 de maio de 2012

Hidrografia em Mateus (I)


1.     Introdução
A freguesia de Mateus considerando, em sentido lato, o território que manteve desde os tempos medievos até à década de 60 do século XX [1], é delimitada por vários cursos de água dos quais se destacam o rio Corgo (afluente do Douro, que nasce em Vila Pouca de Aguiar e com um percurso de cerca de 50 Km), a poente, o rio Pequeno e o de Tourinhas, a norte e a sul, respectivamente. Nos pequenos vales do interior da freguesia corre o ribeiro da Levandeira, o ribeiro que denominamos das Quartas, o ribeiro do Boque e outros pequeníssimos cursos de água, todos tributários do rio Corgo. Curiosamente os maiores cursos de água nascem, a pouca distância uns dos outros, nas faldas da Serra do Rebordo Longo.
Estes pequenos rios e ribeiros (em cujos vales brotam ainda boas fontes cuja água era afectada ao consumo humano) irrigavam as férteis terras da freguesia tão conhecida, desde os tempos modernos até à entrada do presente século, pela fartura de hortaliças e frutos que abasteciam os mercados de Vila Real e concelhos circunvizinhos.
Refira-se que anteriormente à época da motorização, da electrificação, da rega automática e do abastecimento domiciliário de água a partir de recursos hídricos exteriores à freguesia, cujo pleno ocorreu já nas últimas décadas do séc. XX, a água destinada ao consumo público de pessoas e animais domésticos era proveniente de minas,  fontes de bica e de mergulho e a água de rega corria pela lei da gravidade, dos altos para os baixos [2], por regos e levadas, com excepção da água dos poços que era tirada por tracção animal através de noras ou pela força humana através de gravanos [3] ou antigas noras de origem árabe.

                                

                                                                    Fonte da Rabela - lugar de Navalhos 

 

 

2.     A água destinada ao consumo humano – da romanização à actualidade
A ocupação humana, de modo estável, num determinado local carece, desde sempre, dos necessários recursos hídricos. A água é fonte de vida – é comum dizer-se.
 Os primeiros habitantes da nossa freguesia ter-se-ão fixado na zona de Navalhos e Outeiro de Lobos, locais onde tem aparecido vestígios materiais do período da romanização; são lugares privilegiados sob o ponto de vista defensivo e próximos de bons aquíferos como é o caso da Fonte da Rabela que algumas lendas locais atribuem aos romanos.

Na documentação medieval da nossa freguesia encontrámos referência à Ribeira da Espondera, à Ribeira da Levandeira, ao rego da água da Cal, e às fontes do Arrabalde, das Bouças, do Frengo e da Pipa. Na maior parte dos casos são micro-topónimos hoje praticamente desconhecidos e cuja designação evoluiu ao longo dos séculos. A fonte setecentista de Santo Isidro, onde a água quase brota à superfície, seria, muito provavelmente, a fonte do Frengo. Mas este como outros termos usados na Idade Média para designar “casais” da nossa freguesia são hoje desconhecidos, aparecendo, quando muito, em algumas inscrições matriciais.

Do final da Idade Moderna conhecem-se as referidas fontes de Santo Isidro, em Abambres e a da Rabela em Navalhos. Era aí e nas minas particulares, no caso de “casais” isolados, que o povo se abastecia.
                                 Fonte setecentista de Santo Isidro - lugar de Abambres
 
Quanto às grandes casas senhoriais da freguesia – a “Casa Grande”, ou “Casa de Mateus”, a “Casa de Urros”, ou a “Casa das Quartas” e em menor grau a “Casa do Paço”, desde cedo construíram as suas próprias fontes e sistemas de rega orientados quer para os jardins mais ou menos majestosos que todas dispunham, quer no aproveitamento das sobras para a rega dos campos. O seu abastecimento apoiava-se, em boa parte, nos ribeiros locais e seus vales. Existem ainda belos exemplares de tanques decorativos e fontes pertencentes aos solares da freguesia.
                             Fontes e tanques artísticos - Casa de Mateus e Casa  das Quartas  

Os principais fontanários, de bica corrente e, mais tarde, de torneira foram construídos na década de 40 do séc. XX, na administração municipal de Costa Lobo, a partir de nascentes locais. Possuíam tanques para lavagem de roupas, a partir das águas sobrantes e situavam-se no Largo da Baralha, em Abambres, no lugar do Além, em Abambres, no Largo do Conde de Mateus, em Mateus e no lugar da Raia. No final da década de 70 passou a vulgarizar-se a distribuição domiciliária de água [4], o que resultou numa melhoria do conforto e da qualidade de vida das populações e na diminuição das doenças infecciosas. Em contrapartida, até à criação da rede de saneamento básico, já no início do século XXI, a maioria dos poços corria risco de contágio devido à instalação indiscriminada de fossas e poços sumidouros.
                                  Fonte de Mateus (anos 40)
 
 Os tempos mudaram e as velhas fontes e lavadouros ficaram obsoletos. A velha imagem de marca do Largo da Baralha em Abambres, com a fonte, os lavadouros ao centro e o rego da água a meio, que muitos de nós conheceram, pertence ao passado, embora substituída por uma renovação de mau gosto. Já ninguém lava nem vai à fonte de Santo Isidro. A fonte da Ramalha está rodeada de silvas, tal como a fonte da Rabela.
Perdeu-se um espaço de sociabilidade importante associado à ida ao fontanário e ao lavadouro já que era ali que eram conhecidas as notícias da terra, que se começavam alguns namoros, que se convivia, que se discutia e que (para alguns) se aproveitava para “lavar” a chamada “roupa suja” já que o lavadouro era também o espaço para alguma intriga.
A imagem idílica da ida à fonte, veiculada por alguma da nossa literatura clássica, já só faz parte do álbum de recordações de algumas das gerações.
                                    Fonte do Além (anos 40)
Notas:
[1] Pelo Dec. Lei nº 43 347 de 23.11.1960 que criou a freguesia urbana de Nossa Senhora da Conceição, a freguesia de Mateus, cujo limite poente era o rio Corgo, foi esbulhada de cerca da terça parte do seu território, o qual reverteu a favor da nova freguesia e da freguesia de S. Pedro.
[2] Não existem grandes depressões no relevo da freguesia de Mateus cujas altitudes variam entre os 400 e os 600 metros. Eis algumas altitudes: Mata do Conde (600 metros), Carvalhada (518 metros); Navalhos (527 metros); Lugar de Além, Abambres (501 metros); Mateus, zona do solar (494 metros); Casal de Matos (474 metros); S. Martinho (504 metros); Fundo de Vila (467 metros); Foz do ribeiro da Levandeira (400 metros).
[3] Espécie de regador em folha-de-flandres com um cabo comprido e que servia para tirar a água, por força braçal, dum ponto mais baixo para um rego situado num ponto mais alto.
[4] Hoje a freguesia de Mateus, assim como parte das freguesias de S. Pedro, Nossa Senhora da Conceição e Arroios, é abastecida de água a partir da Central do Pisco situada na povoação da Raia, sendo a água proveniente do chamado sistema do Alvão, podendo, em caso de necessidade, ser servida pelo sistema do Sordo. Prevê-se que, em breve, possa ser abastecida com água proveniente da barragem do Pinhão. Cf. SILVA; Rui Agostinho; Gestão e Monitorização do Sistema Público de Distribuição de Água de Vila Real – Zona do Pisco (Dissertação de mestrado em Engenharia Civil na UTAD), Vila Real, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, 2009, p. 40-42.
 
O presente estudo é parte integrante do projecto de estudo monográfico “S. Martinho de Mateus – história, memória e património”, da autoria de António Adérito Alves Conde.

Por opção do autor,  o texto não foi escrito de acordo com o Novo Acordo Ortográfico.